
Outro momento de grande sentido literário atribuido a trilha sonora é no final do filme,
quando Kurtz recita o poema The Hollow Man de T.S. Eliot. A começar pela palavra Hollow (vazio)
contida no título e a ambientação que os ruídos ambientes (gotas de água e insetos) cheios de
reverberação agregam ao cenário, que então se mostra muito mais grande, húmido e vazio, como o
estado emocional em que se encontram Kurtz e Willard. Sobre a relação deste poema com o filme ,
cabe aqui uma interessante citação, embora já extrapolanto o campo da trilha sonora :
"Este poema de T.S. Eliot, parcialmente recitado pelo Coronel Kurtz, surge
inserido em Apocalypse Now com o objectivo de transmitir toda a carga de
especulação filosófica que envolve o filme. O poema é dominado por uma
atmosfera política, fundamental para o seu eco no filme (o fanatismo e a loucura).
The Hollow Men apresenta um mundo de silêncio: We grope together / And
avoid speech (Eliot, 19611), inércia: Leaning together e destruição: This is the
dead land / This is the cactus land, povoado por homens sem rosto: Headpiece
filled with straw, sem voz: Our dried voices, when / We whisper together /
Are quiet and meaningless e sem vontade própria: Behaving as the wind
behaves. Estes homens não passam de espectros: Shape without form, shape
without colour, estão despojados da sua dimensão humana uma vez que não
possuem personalidade nem vida espiritual e são incapazes de agir: Paralysed
force, gesture without motion. Estes homens são all mankind uma vez que Conrad’s
afirmation is that all men are hollow, all fated to endure the condition that Eliot
figures so allusively (...) and all fated to be blind to their condition (Southam, 1994:
205). Neste momento, importa mencionar a utilização feita por Eliot da Divina
Comédia de Dante, utilização essa que Southam sistematiza na sua obra já citada.
Southam identifica estes homens vazios com as sombras que navegam no rio e
que são rejeitadas por ambas as margens - o Inferno: death’s dream Kingdom
e o Paraíso: death’s other Kingdom - estando por isso condenadas a navegar
nele eternamente. Eles são como a maioria dos homens que passam pela vida
sem terem a percepção da realidade, não praticam de forma consciente nem o
bem nem o mal e, como tal, parecem despojados da sua dimensão humana. Daí,
se atendermos à afirmação de Eliot: So far as we are human, what we do must
be either evil or good; so far as we do evil or good, we are human; and it is
better in a paradoxical way, to do evil than to do nothing; at least, we exist.
(Eliot, cit. por Gomes, 1997: 47). Vislumbra-se igualmente no poema a existência de
uma segunda categoria de homens: Those who have crossed / With direct eyes, to
death’s other Kingdom. Southam relaciona este Kingdom com o Paraíso de Dante.
Estes homens passam por um estado de transição: death’s twilight Kingdom que
Southam diz ser the condition in which man has to face the truth about
himself and life (Southam, 1994: 205). Neste estado, têm a percepção da sua
condição de seres humanos, têm a percepção do sentido da vida. Este momento
é, afinal, um momento de esperança simbolizado por The eyes reapper perante
uma visão de (...) perpetual star que Southam identifica como a visão que
Dante tem de Deus. Os homens que experienciam este estado podem praticar o
bem na sua verdadeira essência e assim ambicionarem a um lugar no Paraíso,